Sinaes, 20 anos! Reflexões Avanços e desafios

Quinta, 22 de agosto de 2024

Sinaes, 20 anos! Reflexões Avanços e desafios

Por Maria Clara Kaschny Schneider

Em 2024 comemoramos 20 anos da lei que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, SINAES. O que temos a comemorar? Sem dúvida é um marco importante e, momento para refletir sobre a trajetória, os avanços e os desafios da avaliação e da regulação da Educação Superior.

A partir da década de 90, o Brasil passou a ter diferentes formas organizadas e estratégias de avaliação, começando pelas instituições públicas federais. Ainda em 1996 foi instituído o Exame Nacional de Cursos, conhecido como Provão, que deu origem ao Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, ENADE, também um marco nos processos avaliativos que mudaram de forma significativa o ensino superior brasileiro.

Várias formas e estratégias foram usadas como bases para reestruturação da avaliação que deu origem ao SINAES. Em abril de 2003 houve em Brasília um grande evento que debateu as necessidades de mudanças nos sistemas de avaliação do ensino superior e a necessidade de unificar, integrar e sistematizar as várias formas dispersas, que se tinham até então, e foi criada a Comissão Especial de Avaliação, para refletir, analisar e debater com a comunidade acadêmica as bases da nova Lei.

A partir da promulgação da lei, em abril de 2004, muitas mudanças se concretizaram no desafio de implantação de uma legislação que buscou integrar e unificar a regulação e a avaliação do ensino superior brasileiro que se caracterizava de modo tão diverso quanto complexo. O sistema federal é formado por instituições públicas e privadas, ficando de fora somente as instituições que compõem o sistema estadual, que são as públicas estaduais e as comunitárias. Mas que também foram impactadas pelo Sinaes, aderindo principalmente ao Enade e alguns processos que vinculam a participação em projetos e programas.

Nesses 20 anos as instituições e os órgãos reguladores enfrentaram muitos desafios na implementação e na regulamentação da lei, que proporcionaram tanto avanços, como também dificuldades, que nos instigam com reflexões, análises e debates dos acertos e dos erros para que se possa avançar mais e melhorar o sistema educacional brasileiro.

A diversidade e complexidade do ensino superior no Brasil são imensos e nos provocam na superação das diferenças regionais, culturais, sociais e econômicas para que a regulação seja justa e equânime. A educação superior deve servir como agente de transformação e de melhorias na sociedade. Importante resgatar aqui as finalidades do SINAES que são: a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional.

Fazer funcionar um sistema, a partir da promulgação da Lei, que englobasse esses objetivos e funcionasse de modo sistêmico foi um aprendizado complexo para todos os envolvidos na avaliação e que, acreditam que ela é capaz de melhorar o ensino brasileiro.

O SINAES abarca avaliação das instituições, avaliação dos cursos de graduação e o desempenho acadêmico dos estudantes, contemplando dez dimensões, mais recentemente distribuídas em cinco eixos. A Lei instituiu a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior, CONAES, órgão colegiado de coordenação e supervisão do SINAES, composta por membros notório saber da comunidade acadêmica, representantes dos três segmentos, alunos, docentes e técnicos administrativos e gestores dos principais órgãos ligados ao ensino superior, que tem função estratégica de acompanhar e estabelecer as principais diretrizes dos processos, definindo os ciclos avaliativos e os participantes de etapa,  com regras e critérios estabelecidos e transparentes.

A Lei determinou também que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, INEP, fosse o responsável pelos processos de avaliação e regulação das IES, dos cursos e do desempenho dos estudantes.

A Comissão Própria de Avaliação, CPA, também foi introduzida pela Lei e com caráter de obrigatoriedade e de autonomia a todas as instituições de educação superior, é importante mecanismo de autoavaliação que coordena e conduz os processos de avaliação interna. Para cumprir os requisitos legais as instituições devem postar os resultados dos processos de auto avaliação no sistema e-Mec até 31 de março de cada ano, como forma de estabilizar o sistema em uma data única.

Importante destacar o papel do Inep na condução dos processos de regulação, assim como das pesquisas realizadas e provenientes da expertise das instituições e das avaliações, o que provocou, sem dúvida, aprimoramento nos formulários, unificando e melhorando as condições de avaliação. Implantar um sistema federal único em um país de dimensões continentais e diverso exigiu trabalho e dedicação das equipes, dos avaliadores e das instituições. O desafio foi formar um banco de avaliadores, Basis, formado por professores e, capacitá-los numa lógica diferente do que se tinha até então. Professores que atuam em instituições e contextos diferentes e complexos avaliando, por áreas, regiões, culturas, condições sociais e econômicas que devem atuar com equidade, considerando os contextos, as condições econômicas e regionais de cada instituição.

Mudar a lógica dos processos exigiu muito conhecimento de todos os envolvidos, avaliadores e avaliados, para analisar contextos educacionais, culturas e comportamentos diversos e complexos. A partir da implantação da Lei foi-se avançando até se chegar a unificação dos formulários, estabelecendo parâmetros universais que fortaleceu o processo, mas desafiou as instituições. Várias etapas e muitas mudanças foram necessárias para que a implementação avançasse e se consolidasse. Os diversos processos e procedimentos deram origem a índices importantes, utilizados nacionalmente e ranqueados pelo Ministério como também pelas instituições, como forma de se afirmar na comunidade. Índices estes também utilizados como marketing institucional, o que não seria o propósito da Lei, mas que deu importância e em certa medida valorizou o sistema federal.

Apesar do contexto controlado, a regulação estabilizou o sistema, mas ainda vivenciamos um controle externo muito engessado e que deve e pode avançar para uma lógica mais autônoma e de autorregulação. Colocar  a autorregulação como meta para que os processos não sejam tão rígidos e que possam possibilitar situações mascaradas dos processos, como ainda constatamos hoje. Uma preocupação ainda presente são as formas muito maquiadas ou copiadas e frias de apresentação padrão dos relatórios, como se fosse uma receita a ser seguida, e não é.

Usar as experiências de regulação e de avaliação para melhorias e avanços, essa deve ser a grande questão a ser almejada! Para que a regulação não se estabeleça unicamente como controle, já podemos ter instrumentos de avaliação e gestão que dêem às instituições transparência e autonomia, usando gestão de dados e inteligência para se conectar às questões fundamentais para o sucesso institucional.

O processo interno de autoavaliação deve ser importante ferramenta que a IES possa utilizar internamente para avançar em questões como prevenção da evasão, permanência e sucesso na conclusão. Ainda não temos cultura de autoavaliação de modo pleno, ainda respondemos somente as questões oficiais e é preciso maturidade institucional e expertise para implantar processos de autorregulação fidedignos, autênticos que fazem uma radiografia institucional com as fortalezas e as fraquezas identificadas e que serão utilizadas para melhorias internas. Esse processo, que já é coordenado pela Comissão Própria de Avaliação – CPA, pode se estabelecer de modo estratégico na instituição, com autonomia e transparência, utilizando gestão de dados. Pode-se utilizar sistema que integre autoavaliação e gestão, com inteligência de negócio com eficiência, não só cumprindo requisito legal obrigatório, mas  como importante   ferramenta de gestão e autorregulação. A autoavaliação, feita de modo amplo e com consistência,  pode preparar a instituição para os processos de regulação, autorizações e reconhecimentos dos cursos e recredenciamento. Esse pode ser o caminho a se concretizar num futuro menos controlado e mais autorregulado.

Já trilhamos um caminho extenso e complexo até aqui, que todo esse conhecimento e expertise seja utilizado para um grande salto e avanço, com mais autonomia das instituições, dando crédito àquelas  cumpridoras de seu papel educacional de grande relevância a um país que precisa ser transformado. Nossa sociedade precisa e merece que a educação superior cumpra seu papel de correção das desigualdades e de melhores oportunidades a todos.