Os Desafios da Educação Nacional Análise Crítica dos Resultados do Pisa 2022

Terça, 3 de setembro de 2024

Os Desafios da Educação Nacional Análise Crítica dos Resultados do Pisa 2022

Escrito por Daniel Nascimento, advogado, consultor em educação, professor e apaixonado por educação.

Na manhã desta terça-feira (5/12), foram revelados os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2022 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em parceria com o Ministério da Educação e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Um ponto de destaque nesses resultados foi a preocupante baixa performance dos estudantes brasileiros em matemática.

O Pisa, que ocorre a cada três anos, avaliou a educação em 81 países nas áreas de matemática, leitura e ciências, destacando uma ênfase em uma dessas áreas a cada edição. No Brasil, 10.798 estudantes de 599 escolas públicas e privadas participaram do estudo. Em matemática, o país atingiu a pontuação de 379, contrastando significativamente com a média da OCDE, que foi de 479. A preocupação aumenta ao considerar que 73% dos estudantes brasileiros ficaram abaixo do nível “básico” de conhecimento, enquanto a OCDE apresenta apenas 31% nesta faixa.

Os resultados revelam um desafio expressivo na educação no país visto que o desempenho dos estudantes brasileiros ainda está abaixo do ideal.

E diante do fato observamos o posicionado das lideranças nacionais, como a fala do Ministro Camilo Santana que destacou os desafios enfrentados e ressaltou as estratégias para melhorar a educação básica, incluindo o programa nacional de alfabetização, conectividade em todas as escolas brasileiras e a promoção da Escola em Tempo Integral até o final de 2026, o que não condiz com um dos primeiros atos de sua gestão ao extinguir a Secretaria de Alfabetização (Sealf), que obteve bons resultados além do reconhecimento pela OCDE.

Infelizmente, a previsão dessa manchete já estava escrita, já que em 2018 também experimentamos resultados insatisfatórios. A notícia já não surpreende, pois os padrões negativos persistem.

Devo recordar aqui que no último Pisa o estudo da OCDE identificou os países que mais investiram em educação globalmente. A lista contava com: 1° Luxemburgo; 2° Áustria; 3° Bélgica; 4° Noruega; 5° Estados Unidos; 6° Coreia do Sul; 7° Suécia; 8° Canadá; 9° França; 10° Holanda.

O estudo apontou que o Brasil investiu uma média de 5,6% do seu Produto Interno Bruto (PIB) na área de educação, o que está acima da média desses países que é de 4,4%. Porém, ao espalhar a cortina de fumaça é possível analisar os números com atenção, apesar de percentualmente elevado, o valor investido por aluno está bem abaixo da média desses países. O investimento público por aluno nas instituições públicas de ensino brasileiras é um dos mais baixos entre os países analisados.

A média de investimento é de US $9,300 anuais por aluno do ensino básico, mais que o dobro do que é investido pelo Brasil. Se adicionarmos a esta conta, os números do ensino superior, temos uma média de US $ 10,400, entre os países membros da organização, enquanto o Brasil ostenta US$ 4.500 – É desesperador.

Se tiver estômago, gostaria de adicionar outro fator a essa análise, trazendo mais alguns dados que apontou o Brasil como um país de baixa proficiência em Leitura, Matemática e Ciências, quando comparado com outros 80 países que participaram da avaliação.

Ou seja, se por um lado nossos investimentos em educação são baixos considerando a média dos membros da OCDE, por outro lado, ocupar a 53ª posição no Pisa, estando abaixo de países cujo investimento é menor que nosso, nos leva a hipótese de que além de baixo, nossos recursos são mal distribuídos.

Para que tenhamos uma comparação em números, o Pisa 2022, revelou que o Brasil apresentou um desempenho médio de 379 pontos em matemática. A pontuação é inferior à média do Chile (412), Uruguai (409), Peru (391) e Colômbia (383), empatando, porém, com os “hermanos” Argentina (379)

Os índices estão estagnados desde 2009 de modo que não podemos colocar os indicadores na conta da Pandemia, existem fatores basilares, como a infraestrutura escolar, os incentivos públicos e a valorização dos professores.

Voltando à OCDE, trago à luz um velho e conhecido tema: os salários dos professores no Brasil, sendo um dos menores entre os países analisados.

Professores de Ensino Fundamental, no Brasil, ganham US $ 22.500 anuais; a média da OCDE é de US $ 36.500

Professores de Ensino Médio no Brasil, ganham US $ 23.900 anuais; a média na OCDE é de US $ 45.800 anuais.

*O valor apresentado no relatório considera o poder de compra de cada moeda, e não a taxa cambial.

Esse trágico resultado do Pisa 2022 me fez lembrar um trecho da nossa literatura, que tenho certeza, você, caro leitor, conhece muito bem:

“Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas tem mais flores,

Nossos bosques tem mais vida,

Nossa vida mais amores”

Ainda em minhas reflexões, recordo velhas expressões repetidas como um mantra no senso comum: “nossa Amazônia é o pulmão do mundo” ou que “somos o celeiro da humanidade”.

Parece haver uma crença latente em nosso povo que insiste em acreditar no Brasil de Gonçalves Dias, completo, abundante e superior. Como se em dado momento da história, quando as coisas supostamente ruírem e o ecossistema estiver irreversivelmente corrompido, restaremos nós, intactos, fortes e salvadores – os heróis do novo mundo.

A notícia é que essa conta já chegou e enquanto o mundo manifesta as consequências de nossas ações, os países desenvolvidos avançam para soluções inovadoras que para alguns, pode até mesmo soar como inimagináveis.

Não é preciso ir muito longe para observar o avanço, veja os norte-americanos, por exemplo, estão empenhados na corrida pela produção laboratorial de proteína. Basta notar empresas como Upside Foods e Good Meat, que já comercializam carne produzida a partir de células animais, abrindo assim o caminho para o consumo de proteína cultivada em laboratório.

A indústria global está evoluindo para colher em sua plenitude os benefícios da automação, independência de matéria-prima e sustentabilidade. De modo a poupar recursos naturais tão abundantes em nossa terra pátria.

Você sabia que cerca de 1/3 dos grãos produzidos no mundo são destinados ao consumo animal? Sabia ainda que o efeito estufa tem grande contribuição de gases emitidos por animais dedicados ao consumo?

A reflexão que devemos fazer é se nossos recursos são realmente a solução que o mundo precisa e se seremos úteis na corrida pelo equilíbrio do ecossistema sem atingir o básico de desenvolvimento.

Parece que nesta mesa o Brasil não tem lugar de fala, ficamos ali no canto, visto pelas potências globais como o caseiro da fazenda, enquanto eles decidem o rumo do planeta.

Mas e aí, isso tem alguma explicação?
Para entender os números e os movimentos, é preciso entender o Brasil. Vamos fazer um passeio pela história e pelo nosso território:

Com nossa vasta diversidade cultural, étnica e geográfica, abrigamos uma população de aproximadamente 214 milhões de pessoas. Uma complexa contextualização social moldada por uma história marcada pela colonização, escravidão, migração e industrialização.

Desigualdade socioeconômica ainda é um traço presente no DNA do Brasil, onde disparidades significativas entre classes sociais, regiões geográficas e grupos étnicos persistem.

Enquanto algumas áreas urbanas experimentam altos níveis de desenvolvimento e modernização, vastas porções do país ainda enfrentam desafios de primeiro grau, como saúde e educação.

O futuro, portanto, se mostra muito heterogêneo, pois a discussão acerca do rápido progresso tecnológico, automação e indústria verde será contemporânea a do saneamento básico e o que não podemos negar é que a ciência e o desenvolvimento em educação precedem os avanços de uma nação, por isso no Brasil os dados não são encantadores.

Temos que entender educação como um processo, é preciso ter clareza de onde estamos e para onde queremos ir. Apesar de haver uma forte pressão social para aumentar os investimentos em educação, percebemos, pelas evidências, que os baixos índices de qualidade não se dão pela falta de recursos. É sabido, pela experiência em países vizinhos que uma política baseada unicamente em aumento de recursos sem um plano de estado torna-se ineficaz.

Assim, é necessário que haja um movimento de criação de políticas públicas que vão além da universalização, chegou a hora de pensar em qualidade, em resultados, em cooperação com a iniciativa privada e principalmente integração dos níveis, dos setores e dos atores que pensam e fazem educação neste país.

E, não estamos falando de um Brasil utópico, inalcançável, mas um Brasil que enxerga na educação o caminho para emancipação de seu povo – não a emancipação que assistimos em bolhas criadas e alimentadas pela especulação irresponsável de um mercado emergente – mas a emancipação do jovem que ingressa no mercado de trabalho e passa, por meio de vida digna, a ter acesso ao seu mínimo existencial como saúde, lazer, cultura e senso de pertencimento social.

Se não compreendermos que a economia reflete a escola e que o mercado precisa ter um olhar para a educação mais participativo e responsável, seremos engolidos pela indústria externa e desta vez Getúlio não vai nos salvar fechando as portas do Brasil, não em um mundo que se globalizou.

Trata-se de um processo lento, ainda vamos conviver com as dores da transformação. Lidaremos com o excesso de regulação – que não seria problema em um estado presente, integrado e com políticas públicas eficientes – lidaremos com os concorrentes e suas práticas desleais, lidaremos com a falta de incentivos aos professores, lidaremos com a falta de interesse dos alunos, lidaremos com os desafios das novas tecnologias, lidaremos com nossos fantasmas diários.

E o que nos resta saber é se vamos lidar com a nossa própria inércia e atender ao chamado para agir ou se seguiremos transferindo culpa e responsabilidade. Porém, meu maior medo não está nas batalhas que enfrentamos e enfrentaremos, mas em lutar essas batalhas no Brasil ao estilo “Macunaíma” (1928) – que descreve Mário de Andrade:

“Ai que preguiça boa! O que a gente quer é ficar deitado à sombra, comendo até morrer e morrendo até comer.”