O FIES e a Crise da Empregabilidade: Uma Reflexão sobre Políticas Públicas Educacionais no Brasil

Terça, 24 de setembro de 2024

O FIES e a Crise da Empregabilidade: Uma Reflexão sobre Políticas Públicas Educacionais no Brasil


"Felicidade, passei no vestibular.
Mas a faculdade é particular.
Livros tão caros, tanta taxa pra pagar.
Meu dinheiro muito raro, alguém teve que emprestar."

Esse trecho da canção de Martinho da Vila, embora escrito há décadas, reflete uma realidade que permanece inquietantemente atual. A aspiração de um jovem em conquistar o diploma universitário, muitas vezes, esbarra na dificuldade financeira, levando-o a recorrer a programas de financiamento estudantil como o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil). Contudo, ao longo dos anos, esse programa, que deveria ser uma solução para o acesso à educação superior, vem se mostrando ineficaz e prejudicial para muitos dos seus beneficiários, para o mercado e para o próprio Estado.

O FIES, criado com a intenção de democratizar o acesso ao ensino superior, se transformou em uma armadilha financeira para milhares de estudantes. O saldo devedor do programa chegou a R$ 114,2 bilhões, com uma taxa de inadimplência superior a 50%. A falta de emprego não é o único problema enfrentado pelos egressos; mesmo aqueles que conseguem uma colocação no mercado de trabalho se veem sufocados pelas parcelas do financiamento, que se tornam impagáveis diante de outras prioridades, como moradia, alimentação e transporte. A renegociação das dívidas, promovida pelo governo, mais parece uma confissão de fracasso da política pública do que uma solução efetiva.

Além disso, o FIES beneficiou desproporcionalmente instituições de ensino superior privadas, muitas das quais cresceram sem um planejamento adequado de qualidade ou de empregabilidade para seus alunos. Faculdades surgiram como negócios lucrativos, sem a contrapartida de assegurar que seus formandos fossem devidamente preparados para o mercado de trabalho. Como resultado, milhares de jovens se formaram, mas não encontraram as oportunidades profissionais que esperavam, o que apenas ampliou o ciclo de endividamento e frustração.

A falta de uma política sólida de empregabilidade atrelada ao FIES é um dos maiores problemas dessa iniciativa. Lançar jovens na universidade com recursos públicos, sem garantir que eles terão condições de trilhar um caminho rumo à empregabilidade, é simplesmente transferir o problema do presente para o futuro. O Estado, ao financiar a educação superior sem um plano claro de inserção desses profissionais no mercado, age como um fiador de um falido, prolongando a crise em vez de resolvê-la.

O cenário atual exige uma reflexão profunda sobre as políticas públicas de financiamento estudantil. Sim, é importante ter programas de financiamento para garantir o acesso ao ensino superior, mas é crucial que esses programas estejam integrados a uma política de empregabilidade robusta. Sem isso, o investimento público se torna ineficaz, gerando prejuízos para a economia, para os cofres públicos e, principalmente, para os cidadãos que realizam o prejuízo da má gestão.

Uma solução mais eficiente e alinhada com as necessidades do país seria a valorização e o fortalecimento da educação profissional e técnica. Esses cursos, além de serem mais acessíveis para os cofres públicos, oferecem uma resposta rápida em termos de empregabilidade, preparando profissionais para demandas reais do mercado em um curto espaço de tempo. Além disso, ao permitir que os jovens tenham acesso a uma formação profissional, eles passam a ter a possibilidade de uma escolha acadêmica mais amadurecida, possibilitando que ingressem no ensino superior com maior clareza sobre suas vocações e expectativas.

Não se trata de levantar uma bandeira ideológica, mas de questionar a eficiência da máquina pública em favor do desenvolvimento nacional. A educação técnica e profissionalizante não apenas atende a uma base emergente da sociedade, mas também contribui de maneira mais direta e imediata para o crescimento econômico do país. Investir nessa área é investir em uma nação mais produtiva.

Diante de um modelo que claramente não está funcionando, o Brasil precisa repensar sua estratégia de financiamento educacional, redirecionando esforços e recursos para áreas que realmente impactem a vida dos cidadãos e contribuam para o futuro do país. O debate sobre o FIES e outros programas de financiamento estudantil deve ser ampliado, e novas soluções precisam ser implementadas com foco no desenvolvimento nacional e na justiça social. A realidade descrita por Martinho da Vila continua, infelizmente, presente, especialmente no contexto do ensino superior. Muitos dos que conseguem ingressar em faculdades particulares com o auxílio de financiamentos são vistos como privilegiados, mas é como diz a canção:

"E depois de tantos anos
Só decepções, desenganos
Dizem que sou um burguês
Muito privilegiado
Mas burgueses são vocês
Eu não passo de um pobre-coitado."

Daniel Nascimento, Coordenador do Programa de Qualificação Profissional da FAT