Formação de Professor: Um Olhar para a Integralidade do Ser

Segunda, 16 de setembro de 2024

Formação de Professor: Um Olhar para a Integralidade do Ser

Escrito por Luciano de Brito Leal, Pedagogo, especialista em Gestão Escolar e Mestrando em Formação de Formadores na PUC-SP.

Inicio este artigo com o trecho do poema “Formação”, de Manoel de Barros. A partir dele, tecerei reflexões sobre considerar a afetividade na formação docente.

“Fomos formados no mato – as palavras e eu. O que de terra a palavra se acrescentasse, a gente se acrescentava de terra. O que de água a gente se encharcasse, a palavra se encharcava de água. Porque nós íamos crescendo de em par.” […] Pegamos na semente da voz. Embicamos na metáfora. (BARROS, 2008, p. 171).

A teoria walloniana afirma que o ser humano é essencialmente social. Ao nascer ele está cercado pelo meio no qual vive, com formas de comunicação, com histórias, culturas, valores e crenças. Nesse sentido, durante seu desenvolvimento, a formação biológica e social acontece simultaneamente, respeitando algumas etapas específicas, como a aquisição da linguagem, por exemplo.

“Dessa forma, compreender a constituição da pessoa como um processo em que se integram organismo e meio significa reconhecer que o ser humano se desenvolve a partir do seu organismo, capaz de vir a ser homem, e que as funções potenciais do organismo surgem de acordo com as etapas biológicas de desenvolvimento e realizam-se de acordo com as circunstâncias que encontra no meio (PRANDINI, 2010, p. 26)”.

Assim, é por meio das relações e das interações estabelecidas com os meios e os grupos, que a pessoa se constitui. Em qualquer etapa da vida, todo ser humano é um ser completo.

No poema, Barros afirma que foi formado no mato, as palavras e ele. Afirmativa que vem ao encontro de que as relações que estabelecemos com os meios em que vivemos nos tornam a pessoa que somos. Mas o que essas considerações têm a ver com a formação de professor?

Primeiramente, vamos considerar o significado da palavra “formação”. Segundo o dicionário Aurélio, a palavra significa; ato, efeito ou modo de formar. Constituição de caráter. Modo por que se constitui uma mentalidade, um caráter. (AURÉLIO, 2001).

Considerando o significado da palavra e relacionando-a à formação de professor, é preciso considerar que uma pessoa adulta já possui personalidade definida e que a personalidade de cada pessoa vem carregada de marcas positivas e negativas conforme as vivências, relações e interações. O poeta apresenta em seu poema que foi formado no mato, ele e as palavras. Isso quer dizer que sua personalidade, a pessoa que se tornou, foi formada pelos meios e pelos grupos em que viveu. Foi afetado por eles.

Nesse sentido, a formação de professor precisa considerar cada um em sua completude e individualidade, em todo seu processo formativo, desde o nascimento. O profissional que sou hoje carrega marcas de uma trajetória formativa desde a infância. Desse modo, é necessário importar-se com o outro no sentido pessoal e pedagógico.

“Como seres humanos, necessitamos ser cuidados e cuidar. Cuidar de outra pessoa, no sentido mais significativo, é estar atento ao seu bem-estar, ajudá-la a crescer e atualizar-se, e para isso o outro é essencial. Envolve “um sentir com o outro” – podemos chamar essa disponibilidade de empatia: é perceber, mesmo em um leve indício, que algo está faltando ao outro, e que é preciso intervir.” (ALMEIDA, 2006, p. 42-43).

Vivemos uma fase da educação em que a preocupação com os resultados numéricos tem afetado negativamente a humanidade com os professores no ambiente escolar, ainda que exista a “preocupação” com a aprendizagem dos estudantes. A burocratização do ensino tem desconsiderado a pessoa profissional que se encontra na linha de frente de todas as mazelas econômicas, sociais e emocionais que eclodem na escola.

Dessa forma, a formação do professor não deve considerar apenas o aspecto cognitivo, mas a pessoa como ser integral. Não basta apresentar estratégias metodológicas, ricos materiais, teorias inovadoras, tecnologias avançadas, quando não se considera quem é a pessoa que está à frente do processo de ensino e da aprendizagem, diariamente. Às vezes, doze horas por dia.

Considerar a pessoa na perspectiva dos estudos de Wallon é escutar o que ela tem a dizer sobre sua formação, suas práticas, o que está dando certo, quais são as dificuldades e considerar o que sabem em relação ao chão da escola. Ou seja, valorizar os sentimentos do professor em seu fazer. Sentimentos que têm aflorado em emoções não controladas e que têm reverberado no processo de ensino e aprendizagem de forma negativa.

Baseando-se nos estudos de Wallon, Almeida e Mahoney (2007) apresentam a seguinte definição de afetividade:

“Refere-se à capacidade, à disposição do ser humano de ser afetado pelo mundo externo e interno por meio de sensações ligadas a tonalidades agradáveis ou desagradáveis. A teoria apresenta três momentos marcantes, sucessivos, na evolução da afetividade: emoção, sentimento e paixão. Os três resultam de fatores orgânicos e sociais e correspondem a configurações diferentes e resultantes de sua integração: nas emoções, há o predomínio da ativação fisiológica; no sentimento, da ativação representacional; na paixão, da ativação do autocontrole.” (ALMEIDA; MAHONEY, 2007, p. 17).

É preciso refletir como o professor tem sido afetado pelas propostas de ensino, pelas mudanças estabelecidas de cima para baixo em suas carreiras e estar ciente de que tais decisões afetam a vida do professor e, se afetam a vida, afetam a prática dele, pois gerará desmotivação, descontentamento, tristeza e revolta. Por sermos pessoas integrais, tais sentimentos não se separam quando o professor vai para a sala de aula.

Quando a pessoa/professor for considerada de forma integral: motor, afetivo e cognitivo e os órgãos superiores que possuem governabilidade na educação olharem menos para os números e mais para as pessoas, talvez comecemos a mudar resultados, pois os números serão consequências do importar-se com o outro, com a escola, com o território, com a vida.

Se a concepção relacionada ao ensino mudar em cima, as formações também poderão mudar de perspectiva, assim o professor poderá ser visto em sua integralidade.

Muitas vezes, aquilo que achamos que é o certo a ser feito, não é certo para o outro, por vezes, aquilo nem é o que necessita para o momento em que vive. Assim, é preciso enxergar com os olhos do outro, trocar as lentes, deixar cair as escamas.

Finalizo com o trecho de outro texto, agora de Eduardo Galeano:

“Júlio César Puppo, conhecido como Lenhador, e Alfredo Gravina se encontraram ao anoitecer, num café do bairro de Villa Dolores. Assim, por acaso, descobriram que eram vizinhos:

– Tão pertinho, e sem saber. “(GALEANO, 2001, p. 1980).